Projeto Pintando a Paz tenta dar nova imagem ao bairro Santo Afonso
Uma
turma de amigos do bairro Santo Afonso, localizado na periferia de Novo
Hamburgo, resolveu mudar a imagem do local em que vivem. Para tanto, realizam oficinas
de grafite para adolescentes. Para estes jovens, os muros são suas telas e a
tinta é a oportunidade de se comunicar. Desde maio de 2011 o grupo utiliza o
seu talento para transmitir suas mensagens através do projeto Pintando a Paz.
“Tínhamos muitas ideias na cabeça e apenas um spray na mochila”, conta um dos idealizadores do projeto, o estudante do curso de história da Universidade Feevale Lázaro Delmar Frank. “Foi um parceiro nosso que contou que existia um edital do Ministério da Cultura para premiar ações como essa. Resolvemos, então, escrever a iniciativa e deu certo”, explica, referindo-se ao Prêmio Mais Cultura de apoio a microprojetos para territórios da paz, que premiou cerca de 40 ações realizadas no município.
Com
o valor recebido o grupo pode ampliar o projeto, “foi
aí que começamos a, além de grafitar, realizar oficinas e mostrar a diferença
entre grafite e pichação, conseguimos atingir mais jovens”, comentou Lázaro,
entusiasmado. “Recebemos o apoio da prefeitura com a elaboração do projeto, mas
a iniciativa é nossa”, faz questão de informar.
Ação além dos muros
Lázaro, um dos integrantes do projeto |
O
bairro Santo Afonso comumente é noticiado nas páginas de jornais por crimes
acontecidos na região, o que é para Lázaro uma distorção da realidade. “Nosso
bairro tem muitos trabalhadores e pessoas de bem, pais e mães de família que
dão o seu suor para sustentar suas casas. Mostrar apenas os problemas é não
respeitar essa grande maioria da população”, afirma.
Por
esse motivo, desde 2010 o bairro é considerado um “Território da Paz”. Trata-se
de um projeto do Ministério da Justiça que destina ao bairro um conjunto de
ações afirmativas e políticas públicas que visam melhorar a qualidade de vida e
auxiliar aquelas pessoas considerados em situações de vulnerabilidade social.
Lázaro considera a ação importante, mas acrescenta que “não pode ficar só
nisso”.
Assim,
os jovens encontraram outra maneira de se mobilizar: “Nossa arte é um caminho
direto até o morador, grafitando um muro passamos nossas ideias, nossos sonhos,
nossas angústias. Trata-se de melhorar a autoestima daqueles que nos cercam
dando-os mais respeito. Para nós, o muro deixa de ser simplesmente um pedaço de
concreto, acho que para os donos também”, enfatiza.
A artesã Mara Saul e sua filha Cíntia Saul. Cederam o muro e não se arrependem |
Dessa
maneira, os grafiteiros tem atraído atenção: “No primeiro muro que grafitamos,
as pessoas paravam para dizer que estava bonito e perguntavam se podíamos
pintar as suas casas. A aceitação está sendo ótima”, comemora.
A
artesã Mara Saul confirma as palavras do artista: “As pessoas perguntam quem
nós contratamos para fazer o trabalho”, brinca com um sorriso no rosto. “Já
havíamos pintado com tinta branca no mínimo duas vezes, mas sempre foi
rabiscado. Desta vez continua bonito”, afirma. “Minha filha colocou uma foto do
muro no Facebook e muita gente elogiou. Hoje nos procuram para saber como pintar
as suas casas e eu indico, pois conheço o trabalho dos guris”, conclui.
O contraste é visível. O muro de Dona Mara, grafitado há cerca de três meses continua com a pintura intacta, o que não acontece com a parede da Escola Municipal Harry Roth, localizada no outro lado da rua, onde se encontram rabiscos incompreensíveis. “Até o pichador se sente representado pela nossa arte, ele respeita. Nós também o respeitamos, mas queremos vê-lo sendo um artista”, afirma Lázaro, convicto.
Arte de protesto por paz e respeito
Muro com mensagem de paz |
O
símbolo que sobrepõe a letra N de “nuclear” a um D de “desarmamento”, que mais
tarde seria popularizado pelo movimento hippie, ao ponto de hoje ser
considerado por muitos um dos símbolos da paz, pode ser visto em quase todos os
muros grafitados no bairro. “É a nossa mensagem. Não importa onde o cara vive e
nem como ele vive. O que todos queremos é paz”, explica Lázaro.
João Alexandre finalizando sua arte |
Mas
quem acompanha o trabalho dos jovens percebe que a palavra respeito não está
apenas em seu discurso, mas em suas ações.O
aluno do 1º ano do ensino médio do Colégio Estadual 25 de Julho João Alexandre lembra que nunca havia grafitado “não sabia a diferença entre
grafite e pichação”, conta. “Agora estou convencido que o bairro está melhor e
mais bonito”.
Para
Lázaro, o grafite auxilia na conversão de pichadores em artistas, mas o jovem
está longe de condenar quem está seguindo outros caminhos. “Quem picha muros
também está procurando um espaço, está querendo dizer alguma coisa. Temos que
ouvi-los e trazê-los para o lado de cá. Dar uma oportunidade”.
Sobre
os planos para o futuro, Lázaro os tem na ponta da língua: “queremos continuar
com nosso trabalho, chegar a mais jovens e mais casas”, conta, mesmo admitindo
que não pretende ficar preso aos limites do bairro. “Vamos continuar
priorizando o nosso bairro, mas já fomos convidados a dar oficinas em escolas
de toda a cidade”, pondera.
Reportagem: Tiago Morbach | Fotos: Roberta Bocacio
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