segunda-feira, 2 de julho de 2012

Arte nas ruas inspira moradores

Projeto Pintando a Paz tenta dar nova imagem ao bairro Santo Afonso





Uma turma de amigos do bairro Santo Afonso, localizado na periferia de Novo Hamburgo, resolveu mudar a imagem do local em que vivem. Para tanto, realizam oficinas de grafite para adolescentes. Para estes jovens, os muros são suas telas e a tinta é a oportunidade de se comunicar. Desde maio de 2011 o grupo utiliza o seu talento para transmitir suas mensagens através do projeto Pintando a Paz.


“Tínhamos muitas ideias na cabeça e apenas um spray na mochila”, conta um dos idealizadores do projeto, o estudante do curso de história da Universidade Feevale Lázaro Delmar Frank. “Foi um parceiro nosso que contou que existia um edital do Ministério da Cultura para premiar ações como essa. Resolvemos, então, escrever a iniciativa e deu certo”, explica, referindo-se ao Prêmio Mais Cultura de apoio a microprojetos para territórios da paz, que premiou cerca de 40 ações realizadas no município.

Com o valor recebido o grupo pode ampliar o projeto, “foi aí que começamos a, além de grafitar, realizar oficinas e mostrar a diferença entre grafite e pichação, conseguimos atingir mais jovens”, comentou Lázaro, entusiasmado. “Recebemos o apoio da prefeitura com a elaboração do projeto, mas a iniciativa é nossa”, faz questão de informar.

Ação além dos muros


Lázaro, um dos integrantes do projeto
O bairro Santo Afonso comumente é noticiado nas páginas de jornais por crimes acontecidos na região, o que é para Lázaro uma distorção da realidade. “Nosso bairro tem muitos trabalhadores e pessoas de bem, pais e mães de família que dão o seu suor para sustentar suas casas. Mostrar apenas os problemas é não respeitar essa grande maioria da população”, afirma.

Por esse motivo, desde 2010 o bairro é considerado um “Território da Paz”. Trata-se de um projeto do Ministério da Justiça que destina ao bairro um conjunto de ações afirmativas e políticas públicas que visam melhorar a qualidade de vida e auxiliar aquelas pessoas considerados em situações de vulnerabilidade social. Lázaro considera a ação importante, mas acrescenta que “não pode ficar só nisso”.

Assim, os jovens encontraram outra maneira de se mobilizar: “Nossa arte é um caminho direto até o morador, grafitando um muro passamos nossas ideias, nossos sonhos, nossas angústias. Trata-se de melhorar a autoestima daqueles que nos cercam dando-os mais respeito. Para nós, o muro deixa de ser simplesmente um pedaço de concreto, acho que para os donos também”, enfatiza.

A artesã Mara Saul e sua filha Cíntia Saul. Cederam o muro
e não se arrependem
Dessa maneira, os grafiteiros tem atraído atenção: “No primeiro muro que grafitamos, as pessoas paravam para dizer que estava bonito e perguntavam se podíamos pintar as suas casas. A aceitação está sendo ótima”, comemora.

A artesã Mara Saul confirma as palavras do artista: “As pessoas perguntam quem nós contratamos para fazer o trabalho”, brinca com um sorriso no rosto. “Já havíamos pintado com tinta branca no mínimo duas vezes, mas sempre foi rabiscado. Desta vez continua bonito”, afirma. “Minha filha colocou uma foto do muro no Facebook e muita gente elogiou. Hoje nos procuram para saber como pintar as suas casas e eu indico, pois conheço o trabalho dos guris”, conclui.




O contraste é visível. O muro de Dona Mara, grafitado há cerca de três meses continua com a pintura intacta, o que não acontece com a parede da Escola Municipal Harry Roth, localizada no outro lado da rua, onde se encontram rabiscos incompreensíveis. “Até o pichador se sente representado pela nossa arte, ele respeita. Nós também o respeitamos, mas queremos vê-lo sendo um artista”, afirma Lázaro, convicto.

Arte de protesto por paz e respeito


Muro com mensagem de paz
O símbolo que sobrepõe a letra N de “nuclear” a um D de “desarmamento”, que mais tarde seria popularizado pelo movimento hippie, ao ponto de hoje ser considerado por muitos um dos símbolos da paz, pode ser visto em quase todos os muros grafitados no bairro. “É a nossa mensagem. Não importa onde o cara vive e nem como ele vive. O que todos queremos é paz”, explica Lázaro.

João Alexandre finalizando sua arte
Mas quem acompanha o trabalho dos jovens percebe que a palavra respeito não está apenas em seu discurso, mas em suas ações.O aluno do 1º ano do ensino médio do Colégio Estadual 25 de Julho João Alexandre lembra que nunca havia grafitado “não sabia a diferença entre grafite e pichação”, conta. “Agora estou convencido que o bairro está melhor e mais bonito”.

Para Lázaro, o grafite auxilia na conversão de pichadores em artistas, mas o jovem está longe de condenar quem está seguindo outros caminhos. “Quem picha muros também está procurando um espaço, está querendo dizer alguma coisa. Temos que ouvi-los e trazê-los para o lado de cá. Dar uma oportunidade”.

Sobre os planos para o futuro, Lázaro os tem na ponta da língua: “queremos continuar com nosso trabalho, chegar a mais jovens e mais casas”, conta, mesmo admitindo que não pretende ficar preso aos limites do bairro. “Vamos continuar priorizando o nosso bairro, mas já fomos convidados a dar oficinas em escolas de toda a cidade”, pondera.

Reportagem: Tiago Morbach | Fotos: Roberta Bocacio

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